segunda-feira, 25 de maio de 2009

na estrada. história 2: árvore seca

mulher. chegando nos 40. bem pequena.nervosa.expressão facial e corporal em desalinho com as palavras que saem da sua boca com estranha veemência,em pausas ensaiadas.longos e armados cabelos pintados até a cintura.sobre ela,diria yves saint laurent ,o mestre da proporção: esta mulher perdeu a noção. casada. uma filha que antecipa a puberdade e faz os pais expandirem suas próprias teorias.tomara que ela escreva uma nova história, pensa a tia postiça num canto do espaço,controlando a indigestão.a hipocrisia ali é uma filosofia que criou raízes tão profundas que fica difícil definir o que é real e o que é efeito especial. com tudo são complacentes e assim enganam muita gente. tudo tem explanação, até a maior aberração.justificam o injustificável numa maligna cumplicidade.ávidos por conquistar tudo o que a publicidade oferece para se exibirem como cidadãos concientes,contemporâneos,sorridentes,energéticos,atarefados,
produtivos e contribuintes.como tantas outras e diversas famílias, eles habitam esses condomínios de paredes finas e teto de gesso com sauna, churrasqueira e várias piscinas.amizade, para eles,significa agenciar interesses.ele busca sexo profissional e barato.ela vive para badulaques e artesanatos que driblam o seu bem e mal querer.um dia, depois do seu time perder, ele joga contra as paredes todos os móveis da varanda que, mesmo de plástico duro, caem cheios de rachaduras no piso que um dia ela vai trocar.assim ela consegue ganhar do marido um novo conjunto de cadeiras e mesa que agora se impõe majestosos no espaço, como um elefante num pires ( essa expressão é do edgar – de novo a proporção).num fim de tarde,os convidados se encaixam em seus lugares e um deles elogia algo fake made in china ou nesse lugar.ela,toda satisfeita e sorridente, chama a tudo isso de vitória nossa de cada dia (viu só,clarice?).um homem de aparência repugnante exalta suas últimas conquistas e emenda elogios a violência de um filme trash e não aceita opinião contrária. o marido se levanta,abre o laptop e lê, com pompa calculada para impressionar os presentes, uma dessas mensagens que chegam pela internet e que fazem fernando pessoa ou shakespeare tremerem onde estão, por seus nomes estarem sendo clonados acompanhando textos de quem sabe quem? quando criticamos os outros é porque não estamos conseguindo enxergar a nós mesmos, lê o homem em pé na tela estirada sua frase preferida, entre copos e queijinhos, esticando um pouco o lábio esquerdo numa ameaça de sorriso que ninguém vê.a mulher levanta as sobrancelhas e concorda com estrondosa gargalhada.e com essa frase como porta-estandarte seguem os dois na jornada da total abstração e vão compondo deste modo o próprio enredo e blindando qualquer possibilidade de sensibilização.juntando no cotidiano retalhos, em forma de frases ou qualquer outro material que alguém já antes criou.ele sempre com o mesmo sorriso, ela somente com ácidas gargalhadas.entra pela janela uma voz, em audível freqüência de revolta e indignação, gritando safaaaaaada, enquanto em outro andar crianças cantam em coro um heavy funk na maior altura.alguém aceita um capuccino instantâneo? feito em casa com uma mistura de leite e achocolatado em pó e sei lá mais o que? não, muito obrigada, preciso ir.chega o elevador.boa noite.acaba a luz.o elevador pára quase chegando ao solo. não, eu não moro aqui. deram o endereço errado.onde fica o alarme? a senhora leu sobre o padre pedófilo e o aborto da menina que por isso ela e mãe foram excomungadas? desculpe, moço,agora eu só quero achar o alarme.

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